quarta-feira, 16 de julho de 2014

Dois postais inéditos de Mário de Sá-Carneiro ao seu amigo José Stromp


   Encontrei estes postais num álbum que me deu a minha avó já há muitos anos. Sempre conheci este álbum na casa dos meus avós na vila do Cano. Aí pelos finais dos anos sessenta uma sobrinha da minha avó pediu à minha tia selos antigos para uma obra qualquer de caridade, parece-me que relacionada com os soldados que estavam nas colónias. Com alguma falta de cuidado os selos de muitos desses postais foram retirados. Uma vez até mostrei a um especialista em filatelia. Disse-me que não valia nada porque os selos tinham sido arrancados de qualquer maneira. 

   Intrigava-me um apelido que aí aparecia muitas vezes: Stromp. Mais surpreendido fiquei com a assinatura Sá Carneiro. Confirmei-a comparando com outras dele. E a morada que refere é a da sua casa na época: Travessa do Carmo. As moradas de Stromp também condizem.

Os postais são do mesmo dia 23 de Julho de 1909. Envia dois para o seu amigo, um para a morada do pai deste, no consultório que teria no Largo do Intendente e outro para a casa do Lumiar. É interessante que no segundo caso ele escreve simplesmente Lumiar mas o postal foi entregue à mesma. Imagine-se o que seriam esses "arredores" de Lisboa.

    Vê-se que tem urgência, refere uma traduçã que tinha feito. Por esta altura teria uns dezanove anos.
   O José Stromp, seu amigo, foi um dos fundadores do Sporting.
Os temas dos postais também têm interesse. São costumes populares, exóticos para quem vive num ambiente urbano, algo românticos, sobretudo o da mulher de Azurara, terra de pescadores (?); o outro de um camponês da Beira Alta.
Provavelmente com algum sentido de humor e informalidade de quem conhece a família.









sexta-feira, 23 de maio de 2014

Fazer contas à vida


Teremos eleições europeias dia 25 de maio. No mesmo dia há uma reunião do BCE em Lisboa. Recordemos que o Banco Central Europeu, juntamente com a Comissão Europeia e o FMI emprestaram dinheiro a Portugal com juros muito superiores ao que emprestaram a qualquer banco, que por sua vez emprestava ao Estado, ganhando uma comissão altíssima. A tal Troika, de que falamos, exigiu e continua, abaixamento de salários, diminuição e supressão de direitos que custaram muitos sacrifícios e prisões a conquistar, vendas ao desbarato de empresas estratégicas… Lembremo-nos que pela lei portuguesa, e acho bem, a véspera do dia das eleições é para reflexão e no próprio dia não pode haver qualquer propaganda eleitoral, ideológica que possa influenciar os cidadãos.
Lembremo-nos também que a crise começou por ser financeira, bancária, que foi exportada a partir dos EUA, apanhou a fragilidade dos bancos especuladores europeus, mais a expansão de outros bancos de mafiosos, como O BPN e os estados foram obrigados pelos que mandam e pelos seus eunucos a pagar, o que tem significado, e duramente, que são os cidadãos que têm pago.
Pois o BCE vem fazer uma reunião no dia 25 de maio em Lisboa. O que vem fazer? Por mais que digam outras coisas, vem simplesmente humilhar, enxovalhar, mostrar a prepotência, mostrar quem manda, espezinhar os que têm pago para enriquecer os bancos alemães, franceses e outros, para resolver os seus problemas, à custa dos pagamentos dos povos de Portugal, da Grécia, da Irlanda, de Itália …
Num dia de eleições, vêm esses burocratas que escondem os políticos, que não se responsabilizam ou se vendem, vêm contra a lei de um país independente, mostrar quem manda.
Não venham com essa treta do mercado. Há mercado, há mercados, há mais que uma economia, há economia política, parece que esquecida, há quem ganhe sem trabalho, há especulação e é de especulação que se tem tratado. O dinheiro não desapareceu, mudou de sítio, há quem lucre com os sacrifícios de outros.
Por cá, temos tido um governo de coligação do PSD e CDS. Antes das eleições queriam que viesse a Troika para resolver os problemas, queriam mais que a Troika, foram além da Troika, disseram que era disparate aumentar impostos, não só aumentaram impostos, como geraram desemprego, levaram empresas viáveis à falência, levaram centenas de milhares de pessoas à emigração e … não estão satisfeitos.
 Nem sequer quiseram aprovar projetos que punham limites à promiscuidade entre o mundo das empresas e os cargos políticos, como aqueles que foram apresentados recentemente pelo Bloco de Esquerda e o Partido Comunista. Votaram contra o PSD, o CDS e o PS. Porquê? Porque tiveram e têm compromissos e clientelas.E se não for isso, demonstrem-no com atitudes diferentes.
Também não me venham com a conversa que todos são iguais. Há políticos que não ganharam com o BPN, há políticos que não fizeram o programa económico do PSD e logo ficaram à frente da EDP vendida a um monopólio chinês, há gente que não pertence a essas sociedades que fazem o estado pagar (nós) pelos seus serviços, de que têm benefícios vários.
Há quem prefira a abstenção. Por mais desculpas que se inventem, abstenção é ficar em casa e nada fazer. Admito o voto em branco, como arma política, não é ficar em casa e depois dizer que os outros todos é que têm a culpa, quais crianças inocentes ainda a gatinhar.
Também me aborrecem os “enganados” e os “arrependidos”. Deveriam fazer umas pequenas contas sobre a sua vida e estar um pouco atentos. Poderiam pensar um pouco mais neles e nos outros. Desculpas há muitas, e por vezes, cai-se mesmo no ridículo.
Nestas eleições há que pensar no que tem acontecido em Portugal, um país que ainda tem mais de oito séculos de existência e que não é menos que os outros, dentro do princípio da subsidiariedade, que tem dois lados, a União Europeia, fruto de todos os estados que a integram, e os estados que também exigem.
Queremos ser uma colónia, com um ou dois estados imperiais? Queremos prescindir dos direitos civis, democráticos, sociais, culturais? Queremos uma Europa xenófoba, com uns mais importantes que outros, a mandarem nos que fornecem mão-de-obra barata?
Há que pensar nisto tudo e mais ainda; há que ver que também que isto tudo pode mudar, mesmo não havendo revoluções, mas mais um passo.
Eles também tremem. Treme este governo, tremem outros, treme a Comissão Europeia, treme o mundo financeiro.

Tremem mais se os fizermos tremer.

sábado, 19 de abril de 2014

Sobre Gabriel Garcia Márquez


Eu já não gostava muito daquela expressão “realismo mágico”, sobre este e outros escritores da América do Sul. Mas esta ainda entendo como um ponto de vista. Parece-me que o tal realismo mágico é apenas uma expressão de quem vive noutra civilização, mais industrializada ou que já ultrapassou essa fase, mais eficiente, mais comprometida com objetivos que visam o lucro imediato e a longo prazo: a civilização do relógio, agora digital, do tempo que é dinheiro e vice-versa, onde pode haver uns tempos programados para férias, artes e literaturas. Dificilmente, a partir deste ponto de vista se compreende outras realidades, que aparecem como exóticas, tal como no século XIX aparecia a Espanha ou Portugal, parentes próximos e seguros, ainda com alguma civilização, ao contrário da África dos “selvagens”, embora perto, mas estranhos, ainda reveladores dos costumes do antigo regime, contraditoriamente mantendo os tempos que já tinham passado, de que se sentia alguma nostalgia e também algum carinho protetor.

Muitos não terão reparado que Gabriel Garcia Márquez falava mesmo da realidade, certamente com algumas misturas de realidades, como um excelente contador de estórias que acrescenta qualquer coisa, que sabe usar os tempos das personagens e dos ouvintes. Como por cá, mas sempre de forma diferente, com a delícia de uma linguagem de quem narra para quem ouve e lê, com tempo, como fizeram Camilo Castelo Branco ou Manuel da Fonseca, ou no Brasil Jorge Amado e Graciliano Ramos ou Cervantes de uma literatura que se tornou universal, a partir de aldeias ou regiões reais.

Continua a circular desde há uma dúzia de anos uma falsa carta de despedida de Gabriel Garcia Márquez que circula ciclicamente  e que ele repudiou veementemente. Por muito que custe a alguns, ele não estava arrependido nem nunca produziu um texto onde a palavra Deus aparece tanta vez, num estilo que não era o dele. Há que ler as suas obras inconfundíveis e não cair na esparrela, reproduzindo um texto que não honra a sua memória. Há que ler e não difundir para as redes só porque se acha interessante num primeiro momento.

É de pensar quem é que nos controla. Se procurarmos no Google ou outros, aparece nos primeiros lugares o tal discurso e só depois de muito procurar, poderá ser encontrado um artigo de alguém a desmentir. Há organizações que manipulam isto de modo a convencer os outros, utilizando um mito recorrente de que os ateus se voltam para Deus na hora da morte. Noutros casos, quando a informação não agrada a quem manda, a informação desaparece. Há por aí umas tendências totalitárias que querem obrigar ao pensamento único, usando ínvios caminhos de sedução com palavras que entram facilmente no ouvido de quem já as espera ou já desespera de muita coisa. Pelo menos que se respeite os mortos e a obra dos que "da lei da morte se vão libertando".

Há uns que teimam em definir o que os outros são. Há quem olhe para outros como espécies exóticas que nos dão algum prazer nas férias ou noutros descansos. O melhor é ler a obra e que cada um faça dela o que quiser. Foi para isso que foi feita.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Rimas várias para um jantar

Há uns anos (um pouco mais de dez), fiz estes versos por brincadeira. Uma pequena "vingança" pois tinha uma turma que acompanhei durante três anos, várias aulas por semana. No final eram dezasseis alunas, cada uma de sua maneira, normalmente bem dispostas, mas algumas um pouco complicadas, com humores variados. Houve um jantar no final do 12º ano. Não pude ir já não sei porquê. Mandei estes versos de que estava já quase esquecido. Mas lembro-me de quase toda a gente. Algumas quadras eram individualizadas, outras gerais. Alguém se lembrou delas sem já saber do contexto. Mas guardou-as.
Aqui seguem:

Rimas várias para um jantar

PRÓLOGO e INVOCAÇÃO

Entrem senhoras e senhores
Oiçam esta história de pasmar
A história das dezasseis mulheres
Que ao 12º haveriam de chegar

Até Cristo quando subiu aos Céus
Disse a todos os mortais
Aturem-nas agora vocês
Que eu já não as aturo mais

Também Sebastião, o das setas
Tremeu e levantou a mão
Ao ver tanta carta de condução
E o fazer das curvas rectas

E mesmo Maria Madalena
Com seus choros e alegrias
Quase se arrependeu, mas teve pena
De ver na turma tantas Marias

Mas ó Musa minha adorada
Inspira este teu fiel criado
Dá-lhe palavras e alguma pancada
Pois já devia estar deitado
e descansado

E vós ninfas do límpido Xarrama
Ajudai este pobre secretário
Que Neptuno e Vénus que outro ama
Soltem as mágoas do armário

Foram três anos de falatório
Centenas de horas de bichanar
Noventa vezes dois de Purgatório
Quinhentas horas a reclamar

Às duas por três estou mal disposta
Às três por quatro preciso de sair
Vinte faltas e a mesa posta
Três vezes trinta e três para cantar e rir.

Do décimo ao décimo segundo
Vieram atentas e esperançosas
Chegam com as incertezas do mundo
Partem crianças, chegam fermosas

(esta é para rir; também por causa das calorias e outras manias)

Alguém disse que isto era as Doroteias
Desengane-se quem isso ouviu
Já ninguém aqui cose meias
São artistas como nunca se viu

Vamos à história e às personagens
O estimado público espera para ver
Alguma atenção e breves paragens
Abençoado seja este prazer
                        São horas de comer!

ANDANTE (e allegro ma non troppo)


De presidiárias está cheio o mundo
Peregrinemos aqui e além
Seja Sartre o mais profundo
Oito a catorze. Amen!

A verdade acima de tudo,
Alegria, trabalho e amizade.
A protectora do sortudo
Sabe o que é a solidariedade

É uma força da natureza
Sai a ela, à mãe e ao pai
Canta a vida e não tem a certeza
Quer a mudança social ... e vai!

Ribomba o trovão no momento
Desfaz-se no mesmo segundo
E nisto surge um encantamento
Um desejo de mudar profundo.

E espanta-se quando se sente
E o sentir é forma de estar
E é isso que faz a gente
E é esse sorriso que a faz voar

Não é de Tróia mas da terra dura
Sabe o que quer e luta por isso
Segue em frente e fura fura
É ainda uma flor em viço

De profundis levanta a neve
Racional, interroga o mundo
Ajuda os outros, ergue-se breve
O seu discurso é profundo

Olha a criança que já passou
E as contradições que mostra à gente
Será que percebe que já mudou?
E que tem pés para ir em frente?

Não é de Pavia mas vai
Não canta mas segue caminho
Às vezes pensa que cai
Segue em frente, com carinho.

Querem Direito, mas ela não quer
Ela fura, e corre segura
Adora a polémica e o malmequer
Vai fermosa e bem madura

Simplicidade é um dom
Diz tanta coisa sem falar
Tem um jeito simples e bom
Uma forma calma no tratar

Atenta, trabalhadora e simpática
Calma, vai além do que faz
Desde a História à Matemática
Também sabe do que é capaz

Ai essa vontade de dizer mais
Ai esse querer e não saber
Pergunta para onde vais
O caminho é não temer

Sorriso discreto e bem bonito
Simplicidade na forma de estar
Intuição e sentimento límpido
Vontade de ir além e voltar

É uma flor que há-de seguir
Continuam as dúvidas para onde vai
Descobriu algo para onde ir
Ou ainda faz o que não quer ouvir?

Anda a História a nove e tal
Mais uma actriz de carreira
O que pretende afinal?
Devagar sobe a ladeira

EPÍLOGO sem Cântico Final (e com exames à espera)

E sem esquecer os demais
Que no caminho ficaram por ir
Mais do que choros e ais
O melhor é começar por rir!