quarta-feira, 23 de março de 2011

John Milton e a liberdade de imprensa

 Por vezes vale a pena ler os clássicos.
Escreve Milton e proclama este discurso em 1644 contra a censura que  o parlamento inglês tinha aprovado:

Pois a verdade é que os livros não são coisas absolutamente mortas, encerrando em si uma vida em potência que os torna tão activos quanto o espírito que os pro­duziu. Mais ainda, os livros conservam, como num frasco, o mais puro extracto e eficácia do intelecto vivo que os gerou. Sei que estão tão vivos e tão vigorosamente produtivos como os dentes daquele dragão da fábula e que, disse­minados aqui e ali, podem fazer surgir homens armados. Mas isto significa também que, se não se usar de cautela, matar um bom livro é quase o mesmo que matar uma pessoa. Quem mata um homem mata uma criatura racional feita à imagem de Deus; mas quem destrói um bom livro mata a própria razão, mata a imagem de Deus, como se esta estivesse nos olhos. Muitos homens são um peso para este mundo; um bom livro, porém, é a seiva preciosa de um espírito superior, embalsamado e deliberadamente pre­servado para uma existência que ultrapassa a vida. É verdade que nenhuma época pode devol­ver uma vida, o que nem sempre representará grande perda; e as revoluções do tempo não reparam muitas vezes a perda de uma verdade rejeitada, por falta da qual nações inteiras sofrem as piores consequências.
Deveríamos ter, por conseguinte, cuidado com a perseguição que movemos contra as obras vivas de homens públicos, com o modo como desperdiçamos essa experiência humana de vida preservada e armazenada nos livros, pois bem vemos que se pode cometer assim uma espécie de assassínio, por vezes um martírio, e, se o alargarmos a todas as obras impressas, um autêntico massacre - em que a execução não termina na chacina de uma vida elementar, mas atinge aquela quintessência etérea que é o sopro da própria razão, destruindo não apenas uma vida, mas uma imortalidade.
Milton, J. (2010). Aeropagítica. Lisboa: Público.
 
Nota: Quanto tempo se perdeu em Portugal com a Inquisição ...PIDE e outras maquinações. Ao contrário, estes foram vencendo também pela inteligência.

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