segunda-feira, 28 de junho de 2010

Quadras

Estive, até há pouco tempo, num Curso de Formação Especializada em Bibliotecas Escolares. Houve um dia, ou uma noite, que depois de uma sessão contínua (Março de 2009), cheguei a casa e fiz estas quadras, já que não conseguia dormir, depois de ter mal dormido.

Quadras sem escárnio, com um pouco de mal dizer.

Oiçam senhoras e senhores
Esta estória de pasmar:
Todos são professores
E não se fartam a trabalhar.

Já lá vem a bela infanta
E o D. Quixote no Rucinante.
Um computa, outra canta,
O caminho é pra diante.

Já os pássaros fazem ninhos,
Anda o capuchinho de cinzento.
Vão por todos os caminhos,
À espera do grande momento!

É a wiki para aqui,
É o fórum para acolá,
É da biblioteca para ali,
É da ESE para lá.

Já em Viseu não cai a neve,
Nem nas Caldas vive a rainha.
Quem pensou que isto era leve,
Já nem juízo tinha!

De Évora, Beja e arredores
Há projectos mil e um.
Ninguém liga a pormenores,
Anda tudo num trinta e um.

(Epílogo)
Até fazer :
Pim!
Pam!
Pum!

Tudo ao molho e a tempo inteiro


Num país onde para resolver problemas simples em tribunais se demoram anos e anos, onde está inscrito na Constituição há 35 anos a regionalização e outras coisas de que se fala de vez em quando, onde se discute de vez em quando a reabilitação de centros urbanos a cair há décadas, onde ciclicamente se promete uma reforma eleitoral que aproxime eleitos dos eleitores … tomam-se rapidamente medidas sobre Educação que podem afectar a vida de centenas de milhares de pessoas.
Poderá isto parecer um pouco de demagogia, porque só se deve comparar o que é comparável. Mas o erro é habitual. Sem uma avaliação suficiente, sem conhecer a realidade do país, tomam-se, por vezes medidas drásticas, neste caso no ensino.
A resolução do Conselho de Ministros nº 44/2010:
Assim, determina -se que as escolas do 1.º ciclo do ensino básico devem funcionar com, pelo menos, 21 alunos. Esta orientação permitirá encerrar, até ao final do ano lectivo de 2010 -2011, aquelas escolas cuja dimensão prejudica o sucesso escolar dos seus alunos
Num país envelhecido isto significa que aldeias com perto de mil habitantes ficam sem escola; significa que milhares de aldeias vão ficar sem escola, que vão crianças de 5, 6 … anos andar todos os dias dezenas de quilómetros, esperando uns pelos outros, levantando-se às seis, sete da manhã e regressando ao fim da tarde. Isto, num país onde as câmaras municipais estão quase na falência ou pelo menos descapitalizadas, sem dinheiro para arranjar mais transportes nem proceder à manutenção de estradas.
Se tivémos um êxodo rural desde os anos 50, este governo continua a provocar a continuação deste êxodo, com as populações a ficar sem serviços de saúde, de educação, policiamento … nada, a não ser umas paisagens humanizadas com alguns velhos que por ali perduram, no meio de umas ruas desertas, umas capelas a cair, um silêncio e ar puro, quase ideal para quem gosta de Arqueologia, recordar memórias antigas ou simplesmente tirar umas fotografias exóticas e apreciar o turismo rural, a panaceia do desenvolvimento. Um fim-de-semana para turistas, uma fuga e um adeus para os que lá vivem, um sonho que acabou para os que pensaram ainda em regressar.
No entanto, repare-se: será que Portugal tem um interior com um destino de decadência inelutável? Será que o nosso interior é mais periférico que as aldeias da Finlândia, onde se vive?
Cite-se ainda, a grande preocupação do legislador:
“Todos os alunos devem frequentar espaços dotados de refeitório, de biblioteca e de sala de informática, espaços adequados para o ensino do inglês, da música e da prática desportiva. Pretende -se, com esta resolução, garantir que todos os alunos frequentem espaços que permitam a concretização da escola a tempo inteiro e que promovam uma efectiva igualdade de oportunidades.”
As grandes preocupações são a informática, o inglês (nada sobre outras áreas de conhecimento), refeitórios, as bibliotecas. Será que estas últimas passarão a ser um centro de entretenimento permanente, pejadas de computadores, mas quase sem livros, visto que, exceptuando a Gulbenkian, quase ninguém tem interesse em disponibilizar verbas para mais aquisições. Exceptue-se também o Plano Nacional de Leitura, para os alunos mais novos, onde é aconselhado a todos na mesma turma a ler o mesmo, à mesma hora.
Mas a resolução vai mais longe ainda, como se não bastasse:
pretende –se adequar os projectos educativos ao objectivo de uma escolaridade de 12 anos para todos. Torna -se necessário promover condições para a criação e consolidação de unidades de gestão que integrem todos os níveis de ensino e que permitam a um aluno completar a escolaridade obrigatória no mesmo agrupamento de escolas.
Nesse sentido, esta resolução estabelece critérios que promovem a existência de agrupamentos verticais, que devem incluir, quando possível, todos os níveis de ensino e que possibilitam a concretização de projectos educativos para um percurso formativo que se inicia na educação pré- escolar e se estende até ao ensino secundário.
Agrupamento enormes, um único agrupamento em concelhos com mais de 1000 km² de extensão, como no Alentejo e noutras regiões, várias escolas, de vários ciclos, juntas.
Há anos que se fala e se escreve sobre autonomia das escolas. De uma penada destrói-se o que se foi fazendo, acaba-se com práticas de escolas que foram criando a sua própria cultura, projectos em curso, experiências de gestão que não chegam ao fim. Escolas secundárias que foram alvo de profundas obras de reestruturação vêem agora entrar meninos do 1º ciclo, o que vai obrigar a novas alterações dos espaços e da gestão dos mesmos.
Será útil misturar crianças de 5, 6 anos com alunos jovens de 17, 18?
Vai-se ainda infantilizar mais os jovens?
Não creio que os objectivos sejam só economicistas. Parece que há uma vontade de controlar tudo, não deixar tempo para os alunos pensarem, lerem com tempo um livro, discutirem entre si, desenvolverem projectos sem ter um adulto em cima, algum sossego para consolidar conhecimentos, sem o ruído constante de múltiplos cartazes, contos da carochinha censurados e infantilizados, computadores com muita cor, movimento e som, como panaceia para a falta de ideias e disfarce de plágios.
Parece a consagração oficial da imagem da “mãe-galinha”, que não deixa o menino autonomizar-se e crescer sabendo, trocando o medo da possível nova experiência do rebento, pelo controle através da brincadeira constante.
No fundo, uma violência! Uma fábrica de pensamento unidimensional, apresentada como a mais moderna, mais divertida e mais integradora.
 

terça-feira, 22 de junho de 2010

A propósito de Saramago

   A primeira vez que vi José Saramago foi no Anfiteatro 1 da Faculdade de Letras de Lisboa, pouco tempo depois do 25 de Novembro de 1975, talvez em Dezembro ou já Janeiro de 1976. Eram vários jornalistas e escritores, que também escreviam para os jornais. Tinham sido despedidos em massa no próprio dia 25 de Novembro, sem direito a qualquer indemnização nem explicação. Se alguns, como Urbano Tavares Rodrigues, tinham outra profissão, no caso professor na Faculdade de Letras, outros como Saramago, estavam quase na miséria, mas a renascer das cinzas. O Diário de Notícias voltou a ser o que era, um órgão do regime, O Século acabaria pouco tempo depois.

   Nesse tempo, havia na Faculdade, inúmeras conferências e colóquios, organizados por estudantes e professores. “Anti-académicos, como José Gomes Ferreira, ou mais frequentadores de outras tertúlias, como Manuel da Fonseca, contavam histórias de encantar, um com o seu irreal quotidiano, outro com o seu quotidiano mais concreto, do heróico ao picaresco, relatando com humor coisas do Alentejo, Lisboa e outras desvairadas partes. Nestas sessões e noutras, onde se discutia o futuro e os projectos da Faculdade e a sua intervenção no país, iam também professores e escritores, como os seus cachimbos, como Manuel Ferreira e David Mourão-Ferreira. Investigadores como Jacinto do Prado Coelho e, sobretudo, Lindley Cintra, cuja intervenção cívica, antes e depois do 25 de Abril, seja pela literatura, pela sua postura face ao autoritarismo anterior ou pela alfabetização, não é de somenos recordar. António José Saraiva passeava-se por onde lhe apetecia, parando quando e onde calhava, porque tinha uma nova ideia ou revisto as ideias dos dias anteriores. Nas aulas, a que assisti, faltando a outras, visto que não era seu aluno, falava de temas do início ou do fim do programa ou até fora dele, mais frequentemente e desligava o aparelho auditivo quando não estava para aturar cópias de trabalhos pouco interessantes. Depois recebíamos ainda outras e outras visitas, cantores, músicos, nacionais, estrangeiros, espanhóis ainda em tempo de ditadura e até Álvaro Cunhal lá foi falar de arte e literatura, perante uma plateia onde havia tantos de extrema-esquerda, que o respeitaram, coisa menos habitual. Refiro-me apenas a acontecimentos relacionados com a Literatura, pois noutras áreas ia sucedendo o mesmo.

   Nesse ano, organizou-se um grupo de jovens, o Movimento Alfa que, no Verão, partiu (éramos centenas) para a alfabetização no interior do país, sobretudo no Alentejo.
Experiências marcantes, que levaram muitos a apreciarem pequenas grandes coisas desta vida!

   A impressão que tive de Saramago, na época ainda pouco conhecido, é que era um homem de convicções, que não desistia de lutar, com método. Mais tarde vi-o, já célebre e polémico ou polemizado, naquele confronto antigo entre os “castiços” que sabem tudo e desprezam os outros com a mesma intensidade e os outros, apelidados de “estrangeirados”, mas que apenas querem agitar um pouco as águas, com algumas “pedradas no charco”.

   Parecia um pouco duro na expressão do rosto, mas era a dureza da vida de quem não nasceu em berço de ouro nem de família. Afinal, era um homem simples, afável sem salamaleques “académicos”, sem dívidas para com as elites, que falava, escrevia e intervinha, perseguindo uma Utopia, mas com os pés na terra, mesmo na terra vulcânica, mesmo com saudades das terras do Ribatejo, Alentejo, Lisboa e outras gentes, a que regressava sempre que necessário.
E que continue a regressar, com a sua obra e o seu exemplo!

Morreu Saramago; Viva Saramago!

domingo, 13 de junho de 2010

Camões, dia de Portugal e o Ultramar.


   Este já chegou a ser o dia da Raça, coisa mal explicada, porque o Estado Novo sempre falava numa Pátria pluricontinental, onde caberiam todos os que fossem patriotas à maneira oficial, apesar do Estatuto Colonial que definia claramente que havia portugueses (e alguns de segunda), assimilados e indígenas, estes considerados como uma espécie de crianças que haveriam de ser evangelizados, mas que serviam claramente para trabalhar. Eram anti-patriotas e, portanto, não portugueses, os que se opunham. Era assim a lei e mais ainda a prática consolidada de décadas, em que já era difícil acreditar que Portugal pudesse ter algumas coisas que os outros já tinham há muito . Já a escravatura tinha acabado a contragosto no século XIX, mas continuavam nas colónias os “contratados”, isto é aqueles que eram apanhados sem um cartão de trabalho e se viam obrigados a trabalhar por um salário qualquer nas roças. Os que iam trabalhar para os cafezais do Norte de Angola ou para S. Tomé, geralmente ficavam a dever dinheiro ao patrão que tinha um empregado ou sócio na cantina que lhes vendia comida ou vinho à colher pelo preço que lhe convinha, e tinham que prolongar o contrato, além de levar umas pauladas.
Quando oiço falar de Ultramar lembro-me também de uma senhora que fazia limpezas e era analfabeta, como tantos neste Alentejo e em todo o país, mais ainda em Timor que no Minho e que tinha um filho em Angola na tropa, coisa generalizada que demorava aí uns quatro anos. Dizia ela ao ouvir um fado na telefonia, talvez do António Mourão, num programa chamado Música no Trabalho: “Ai senhora, até a música no “Tramar” é triste!
   Neste país “vivia-se como habitualmente”. Nos anos sessenta e até mais tarde, nas tardes de Junho, nas vilas do Alentejo, não se ouvia nem se via quase nada, a não ser uma ou outra carroça puxada por mulas, a chiar, passando pelas covas das calçadas ou dos terreiros, que raras eram as alcatroadas ou calçadas, em algumas corriam ainda esgotos, via-se um ou outro rapaz, às vezes em grupos, daqueles que não estavam a trabalhar, porque a maior parte da população estava no campo, onde já havia máquinas, mas muitos ainda ceifavam com foice, outros estariam nas eiras, separando o trigo e levantando a palha e a poeira e limpando o suor com o lenço. Os divertimentos dos rapazes eram os da imaginação: jogar ao pião, aos cowboys, andar à pedrada aos gatos ou aos ninhos, fumar uns mata-ratos às escondidas … Os mancebos (assim apareciam nos editais), com 20 anos iam para a tropa, alguns voluntários até mais cedo, para Angola, Moçambique, Guiné, os mais sortudos para Cabo Verde ou S. Tomé ou ainda para Timor, onde a população ainda gostava dos portugueses porque os deixavam viver como no século XVI, ao contrário dos japoneses que lá estiveram na 2ª guerra mundial, que matavam qualquer um só por pisar a sombra deles.
   O dez de Junho era também feriado. Alguns homens iam a cafés ou tabernas, onde, em poucos, se ouviam os discursos patrióticos no único canal de televisão, em que se impunham medalhas a mortos, recebidos pelas viúvas dos militares. Bebia-se vinho de pouca qualidade ou “a martelo”, de marcas como Camilo Alves, até porque o proteccionismo estatal não deixava cultivar vinhas na maior parte do Alentejo (Borba, Vidigueira, Redondo … eram excepções).
O entusiasmo pelos discursos era pequeno, a não ser um ou outro que pensava subir na vida, tecendo elogios a pequenos senhores. Também havia alguns convencidos mas o entusiasmo de “Angola é Nossa já estava fora de moda. A reacção também não era muita, até porque o vizinho do lado poderia ser informador da PIDE. Silêncio e copos, ou conversas mais entusiasmadas sobre o futebol ouvido nos relatos da rádio ou então sobre os feitos dos forcados e cavaleiros nas touradas.
   Do calor e das moscas varejeiras, que Fialho tão bem descreveu, dos salários e trabalhos medievais, da ordem e da vida controlada, do espírito ao corpo, aos passos e espaços, o controlo social, do regime, dos senhores, dos padres, dos moralistas, das vizinhas e vizinhos, muitos já tinham fugido em desespero. Alguns para França, como na maior parte do país, mas estes, por aqui, mais para a Margem Sul de Lisboa: Barreiro, Fogueteiro, Samouco …, que dinheiro para ir mais longe não havia e, se o houvesse, ainda era preciso ir a salto, porque ter um passaporte era coisa para muito poucos, que o regime não gostava de grandes andanças.
   Era um pouco assim este país onde alguns se orgulhavam do Ultramar, onde gerações de jovens (mais de 800000) perderam alguma inocência, pernas, braços e até a vida, outros que ainda hoje sonham obsessivamente com o que lá se passou, outros (e não foram poucos) que por motivos políticos ou em desespero tomaram os caminhos de França e do resto do mundo. Um país, onde a segunda cidade mais habitada por portugueses eram os “bidonvilles” de Paris, um país que perdeu mais de um milhão de pessoas que emigraram, um país onde nos manuais escolares se falava das grandes obras do Estado Novo, como a única auto-estrada de Lisboa a Vila Franca, mas em que na maior parte das aldeias ainda não havia electricidade, esgotos e água canalizada, habitado por camponeses em fuga. 
Quase por ironia, festejava-se o dia em que Camões morreu, mas não se dava o direito  de o ler à maioria, num país de 40% de analfabetos ainda no início dos anos 70.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Lobos, javardos e cornudos

   
   Há uma frase antiga, homo lupus homini, o homem é o lobo do homem. Tomara que fosse! Neste país onde tantos pequenos e grandes poderes crescem, lembrando hábitos antigos que não foram erradicados, pequenos e grandes poderes sobrepostos e desorientados que exigem “evidências”, que ordenam e desordenam, fazem leis próprias para serem interpretadas subjectiva e contraditoriamente, verborreiam, exibem o seu poder pelo poder, confundem teimosia ignorante com persistência e fazem dos outros súbditos, de quem se espera que fiquem encantados com as “iluminações” do momento, que há-de ser contraditório com o que se afirmou ontem e se nega amanhã. Amanhã, a começar por hoje, pode ser que, com pessimismo também, se vão juntando alguns para correr com a mediocridade e alcançar alguma Utopia, não numa ilha distante, mas por aqui.

   Começamos muitos a estar demasiados fartos destes autoritarismos dispersos e de pensamentos únicos.

   Entretanto falemos de animais e de gente que dá pouco nas vistas, que não anda na febre das “evidências” imediatas, para tentar ofuscar outros com “power points” e outros estardalhaços que aumentam a vaidade e ruído na comunicação.

   Falemos de lobos e javardos e de alguns cornudos também. Dos verdadeiros, que só são selvagens, porque vivem in silvis e quanto mais estão fora desses espaços mais “humanizados” se tornam, adquirindo maiores perversões, dependendo, claro, dos humanos que os controlam ou submetem.

   As imagens que se seguem são da Tapada de Mafra, onde se tem preservado e recuperado a flora, os javalis, os veados, gamos …, bufos (genuínos), outras aves de rapina e o Centro de Recuperação do Lobo Ibérico. Aqui se vêem javalis um pouco gulosos, mais à procura de qualquer coisa de comer do que a investir contra alguém, um lobo mais velho a apanhar sol, uma loba jovem curiosa, um irmão desta mais tímido …

   Dentro das possibilidades, com muita persistência, muito tempo de estudo, medidas sem “evidências” imediatas, fazem-se aqui trabalhos fundamentais. Há gente neste país que faz coisas boas! Desfazem-se preconceitos e contribui-se para o conhecimento!

Ver:
www.tapadademafra.pt

http://lobo.fc.ul.pt