segunda-feira, 1 de março de 2010

Uma perspectiva pessoal sobre a Madeira


Tive a feliz oportunidade de conhecer a Madeira, pela primeira vez em 1974. Foi na viagem de finalistas do 7º ano do liceu em 1974, pouco antes do 25 de Abril. Não era fácil ir lá nessa altura, num país extremamente pobre como o nosso. A Madeira era contraditória. Pela primeira vez fui a uma discoteca, coisa que não havia em Évora, nem na maior parte do país, fui levado a sítios numa perspectiva de turista. Mas vi também uma pobreza muito grande, sobretudo em Câmara de Lobos. Há poucos anos, numa viagem organizada por amigos da Madeira, apercebi-me melhor, no terreno, das dificuldades imensas dos camponeses que iam até às vilas e ao Funchal, a pé, carregando às costas, descendo e depois subindo por caminhos íngremes, a pé, porque em muitos nem um burro passava, ou nem sequer tinham um animal de carga para levar as coisas que vendiam no mercado, em troca de pouco para o dia a dia. As comunicações eram feitas por essas encostas e depois pelo mar, as estradas que havia eram estreitas e perigosas. Ainda por cima esses camponeses tinham que pagar colonia, uma prestação feudal, semelhante ou pior que os foros que se pagavam no continente, abolidos depois do 25 de Abril. A vida destas famílias tinha muitas semelhanças com a exploração colonial.
Os madeirenses não eram (ainda não são) muito politizados, mas são activos. Emigraram (e ainda emigram, como grande parte do país) para a África do Sul, Venezuela, ilhas inglesas…, como antes foram para os colonatos de Angola. A sua persistência e habilidade são conhecidas, desde a antiga especialidade em fazerem levadas, que levou até a que Afonso de Albuquerque pensasse neles para desviar o curso do Nilo a fim de secar o Egipto, até aos empresários e especuladores conhecidos ou aos inúmeros pequenos comerciantes e industriais em países de emigração.
Alberto João Jardim percebeu esta gente e usou de todas as tácticas que aprendeu durante a guerra colonial, fazendo guerrilha e contra-guerrilha palavrosas, em nome de um desenvolvimento, com um discurso contra o Estado, contra elites, promovendo um estado clientelar em aliança com a Igreja, paternalista, pragmaticamente repressivo. Tornou-se um líder carismático, populista e creio que até é sincero nas suas convicções, embora o seu discurso seja contraditório e tenha forjado novos clientes do Estado. Mas não se preocupa com incoerências, porque a guerrilha permanente é o essencial para obter mais. Muitos acreditam nele, até porque o vêem no terreno, bebem uns copos, nas festas, no Carnaval. Ele está e outros não, por motivos vários, e os outros são outros em quem não se confia, tal como os camponeses não confiam em quem está distante e não é da terra. Alguém que andou descalço, emigrou para a Venezuela, chegou e viu uma festa com um líder a beber uns copos, com charutos e abraços e umas alarvidades, acredita no discurso da Joana Amaral Dias, que continua com ar de "menina fina", de Lisboa? É mais fácil acreditar naquele que fez umas estradas, promoveu umas festas à chegada daqueles que lutaram uma vida inteira. Quer tenha ou não razão. Certas elites portuguesas não compreendem isto, à direita ou à esquerda. Ou cedem cobardemente ou dão lições a quem não os ouve e na hora imprópria como hoje. As pessoas que estão desesperadas não estão para ouvir discursos de culpas. Elas ouvem quem está no terreno e faz alguma coisa, mesmo mal feita.
Felizmente há um sentimento nacional de solidariedade. E é isso que interessa neste momento. Esperemos, e tenho dúvidas, que a reconstrução não privilegie os lugares de turismo imediato e que seja feita uma avaliação dos erros para que não se cometam os mesmos depois, até porque a Madeira não é apenas um problema dos madeirenses. Mas tem que começar pelos madeirenses, e eles têm capacidade de reconstruir.

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