sábado, 22 de agosto de 2009

Árabes, muçulmanos e outros.

Amin Maalouf é um escritor árabe, libanês a residir em França. Fala em Origens, da sua família, da diversidade religiosa, das lutas e utopias dos seus antepassados, entre os quais o seu avô, na procura da modernidade e da democracia no Líbano e no Império Otomano.
Cito:

-- A verdade é que o teu avô não suportava as mulheres. Amava-as, claro, mas não as suportava […] Botros teria querido que as mulheres estudassem, que trabalhassem, que falassem em público, que rissem, que fumassem … E amava-as como se fossem aquilo que deveriam ser, no seu ponto de vista, mas detestava-as tal como eram: a personificação da conformidade social, as “cortadoras de asas”
[...]
No espírito dos meus avós, estas várias atribuições tinham cada uma o seu próprio lugar: o seu Estado era a “Turquia”, a sua língua era o árabe, a sua província era a Síria e, a sua pátria a Montanha libanesa.
[…] Há cem anos apenas, os cristãos do Líbano diziam-se sírios com muito gosto, os Sírios procuravam um rei do lado de Meca, na Arábia, os judeus da Terra Santa proclamavam-se palestinianos … e Botros, o meu avô proclamava-se cidadão otomano. Nem um único dos Estados do actual Médio Oriente existia ainda, e nem mesmo o nome dessa região tinha sido inventado – geralmente dizíamos A Turquia da Ásia …
Depois, muita gente morreu por pátrias supostamente eternas; muito mais gente morrerá amanhã.

Amin Maalouf, Origens, pp. 169 e 225
Esquecemos, ou antes, aqueles que têm feito estas invasões, na Palestina, Líbano, Iraque, Afeganistão, que estes povos têm uma cultura antiga, e há desejos de modernidade e democracia, sem que isso signifique que se têm que submeter a poderes externos e interesse económicos de outros.
Raramente se fala, por exemplo, de Mustafa Kemal Atatürk que levou à modernização da Turquia (que não é um país árabe, como ouço frequentemente na televisão), abolindo o sultanato e o califato, construindo um estado laico com separação total entre Estado e religiões (mais do que por cá ou noutros países de Europa), com a educação das mulheres, a quem foram atribuídos os mesmos direitos que os homens (muito antes de Portugal). Como raramente se fala da história do Irão e de Mossadegh que quis levar o país a uma democracia e que foi afastado do poder por um golpe de estado financiado pelos EUA, como também não se fala dos afegãos que ao longo do século XX tentaram acabar com as descriminações e o subdesenvolvimento.
Para além da ignorância de alguns governos ocidentais, outra atitude é o paternalismo e relativismo de alguns que acham que os orientais são todos fundamentalistas e que é impossível construir aí a democracia.
Em tempos também já houve esse discurso sobre Portugal e "les petits portugais", com fotografias de carroças de bois e mulheres de lenço a andar de burro e peregrinações a Fátima, com gente de preto a arrastar-se de joelhos.

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