sexta-feira, 2 de maio de 2008

Ainda sobre gerações recentes

Como todos sabemos, jovens de 18 anos não formam uma classe. Duvido até que haja uma cultura jovem, como tantas vezes é referida. Até porque a cultura (as formas de pensar e agir) não muda assim tanto, o que se altera depressa é a civilização (as técnicas).
Há por aí algumas ideias feitas que, no fundo, aproveitam mais à publicidade, do que à compreensão das coisas.

O país mudou muito rapidamente. Há umas dezenas de anos a maioria da população era rural, camponeses a Norte, trabalhadores sem terra a Sul, alguns núcleos de população urbana no litoral, com outras preocupações fortemente reprimidas. A moral dominante, não apenas a oficial, transformada em lei, era católica tradicionalista, sobretudo nos meios camponeses. Mesmo o “aggiornamento” do Concílio Vaticano II, chegou aqui mais nos aspectos formais do que em formas generalizadas de manifestar novas preocupações. Nas vésperas do 25 de Abril, ainda cerca de 40% da população era analfabeta. O ensino secundário era clara e assumidamente elitista. A classe média, quase inexistente, ia-se aguentado.

Nos anos sessenta inicia-se a desorganização desta sociedade. Apesar de se apregoar a Família (com um chefe), as famílias desintegraram-se com a emigração para “Franças e Araganças” e o êxodo rural tanto atingiu o Norte como o Sul, só que os do Alentejo iam para aos lados de Lisboa. A indústria cresceu e com ela o número de operários, a urbanização e os subúrbios. A guerra colonial trazia a dor constante e era o destino sabido dos rapazes deste país. Ou isso ou Rua, às escondidas, isto é, o exílio para Além-Pirinéus e o não se saber quando se voltava. A ditadura não admitia comportamentos divergentes nem linguagem ou pensamentos que não fossem obedientes à ideologia de "Deus, Pátria, Família" e, claro, Autoridade, mesmo que isso tivesse "passado de moda", desde os anos quarenta na Europa.

Começava-se a trabalhar muito mais cedo, também se casava mais cedo; no Alentejo era frequente "juntarem-se". Esses jovens obrigavam-se a tomar responsabilidades com menos idade.

O país passou rapidamente de rural para urbano (sobretudo sub-urbano), de uma economia pobre, pouco produtiva, anquilosada pela autarcia e pelo paternalismo (proteccionismo); do Terceiro Mundo e do “orgulhosamente sós”, para o Clube dos Ricos da Europa Ocidental.

Portugal entrou no Mundo Contemporâneo, depois de um isolamento enorme, sem ter passado por etapas que deram origem à modernidade. Desembocou na sociedade de consumo sem defesas e com largos desejos que as novas gerações não sofressem a pobreza que os pais e avós sofreram. Legitimamente os pais e os avós quiseram dar aos novos aquilo que não tiveram.

Mas ficou a desigualdade. E também essa faceta ancestral da cultura, em que o trabalho manual e até o intelectual são desprezados. Continuam, embora com menor frequência, até porque não é “politicamente correcto”, expressões como “o trabalho é para o preto” ou então o regozijo de vencer pela “esperteza” ou a desconfiança com que se olha para alguém que melhorou a vida através do seu trabalho (diz-se logo que “é da droga”). Veja-se também o desprezo com se fala dos “intelectuais”, ou os índices de audiência de alguns concursos televisivos (Preço Certo…), veja-se o “embasbacamento” com os centros comerciais… E, apesar da evolução, admira-se mais a posse de um diploma, do que os conhecimentos e o saber-fazer. No fundo, vestígios da sociedade de Antigo Regime, onde contava mais o título e a exibição de bens, quantas vezes em detrimento da competência e do trabalho.

Os jovens que temos são produto de tudo isto e da desigualdade que continuamos a ter. Não são todos iguais, embora por vezes pareçam. Há formas mais subtis de produzir e reproduzir a diferença social.
Hoje lê-se mais, mas os leitores são ainda uma elite, vê-se cinema de qualidade, também se ouve (e mais do que antigamente) boa música, há muito mais gente com formação, há mais gente inovadora (não por moda, mas porque se fazem coisas e mais fariam se tivessem oportunidades). Mas são, em geral, os que têm menos defesas que se deixam encantar pelo consumismo, pela moda, pelo efémero, pela ilusão do ter sem esforço.
Ora, a Escola Pública não pode pactuar com o facilitismo, não pode ser simplesmente reprodutora da ideologia e da miragem do comprar e deitar fora, para mais num mundo em que o investimento nas capacidades humanas é essencial para a criação de riqueza. Se a Escola não fornecer instrumentos e conhecimentos só acentuaremos a desigualdade e a dependência.

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