sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Padre António Vieira e o estatuário

É importante reler os clássicos e ver como escreviam alguns.
Dia 6 de Fevereiro faz 400 anos que nasceu o Padre António Vieira. Pregou em vários lados, contra os holandeses que dominavam o Recife, no Brasil, falava várias línguas clássicas, contemporâneas europeias, línguas indígenas do Brasil, foi embaixador de Portugal durante a Restauração, inventou impérios para Portugal, foi perseguido pela Inquisição.
Também esteve na Universidade de Évora.

Aprecie-se um pouco da sua prosa, saborei-se o ritmo e considere-se o que ele pensava sobre a educação dos índios e o trabalho de professor:

E ninguém se escuse — como escusam alguns — com a rudeza da gente, e com dizer, como acima dizíamos, que são pedras, que são troncos, que são brutos animais, porque, ainda que verdadeiramente alguns o sejam ou o pareçam, a indústria e a graça tudo vence, e de brutos, e de troncos, e de pedras os fará homens. Dizei-me, qual é mais poderosa, a graça ou a natureza? A graça, ou a arte? Pois o que faz a arte e a natureza, por que havemos de desconfiar que o faça a graça de Deus, acompanhada da vossa indústria? Concedo-vos que esse índio bárbaro e rude seja uma pedra: vede o que faz em uma pedra a arte. Arranca o estatuário uma pedra dessas montanhas, tosca, bruta, dura, informe, e, depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão, e começa a formar um homem, primeiro membro a membro, e depois feição por feição, até a mais miúda: ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, avulta-lhe as faces, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos; aqui desprega, ali arruga, acolá recama, e fica um homem perfeito, e talvez um santo que se pode pôr no altar. O mesmo será cá, se a vossa indústria não faltar à graça divina. É uma pedra, como dizeis, esse índio rude? Pois, trabalhai e continuai com ele — que nada se faz sem trabalho e perseverança — aplicai o cinzel um dia e outro dia, dai uma martelada e outra martelada, e vós vereis como dessa pedra tosca e informe fazeis não só um homem, senão um cristão, e pode ser que um santo.

Sermão do Espírito Santo, de Padre António Vieira.

Nenhum comentário: