quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Deserto, estevas e jamais, com uma pereginação pelo meio, um filho desculpado e um aeroporto que há-de vir

Hoje, o primeiro-ministro apareceu na televisão a explicar a próxima tomada de decisão sobre o aeroporto, após dezenas de anos de infinitos estudos. Não abandonou o ministro e, com uma pose sábia e paternal, defendeu Mário Lino, como se fora o filho pródigo.

Mas Mário Lino tinha razão em duas coisas, apenas se enganou no século.

Uma foi a falar francês. Era de bom tom, nos séculos XVIII e XIX dizer umas palavras em francês, até na corte russa se falava francês. Jamais é uma palavra que só exprime quem sabe, não tem dúvidas e raramente se engana.
A outra verdade era sobre o deserto a Sul do Tejo. Citemos um médico, botânico e geólogo alemão que andou a viajar por Portugal, no dorso de uma mula, em finais do século XVIII. Escreve Link sobre o Alentejo e Margem Sul:

“O viajante deixa em breve a região de Elvas. A maior parte das terras em Portugal é como ilhas, não raramente como ilhas encantadas no meio de um mar deserto estéril. Não longe de Elvas, sobem-se as montanhas áridas e estéreis, vêem-se com efeito ainda casas isoladas mas já nenhumas aldeias.
(…) Estas montanhas xistosas têm sempre um aspecto seco e árido e no Sul estão sempre cobertas de estevas. (…) O arbusto não forma um mato muito denso, mas está de tal modo entrelaçado que só com algum esforço se pode passar pelo meio do matagal, (…)
A três léguas de Estremoz chega-se a uma pousada chamada a Venda do Duque, onde decerto nenhum duque gostaria de se hospedar. Aqui, como em Espanha, há ainda regiões cobertas de giesta(…)
Os montes de granito prolongam-se ainda uma légua a seguir a Montemor e perdem-se depois numa planície, toda ela coberta de areia e seixos, que se estende à margem do Tejo.
A quatro léguas de Montemor-oNovo, chega-se a Vendas Novas, uma pequena aldeia onde se encontra um pavilhão de caça do príncipe do Brasil, três léguas mais adiante encontra-se outra aldeola chamada Pegões (…) e a cinco léguas dali chega-se à margem à margem do rio e à Aldeia Galega, onde se embarca para Lisboa. Fizeram-se 11 léguas contínua e ininterruptamente pela charneca, sem que se tenha visto nada de especial a não ser matagal e arbustos, pinhais e alguns campos cultivados nas proximidades das pequenas aldeias. Num alto, a uma légua da Aldeia Galega, está uma igreja erigida a Nossa Senhora da Atalaia. A esta igreja fazem os negros de Lisboa anualmente uma peregrinação, não faltando espectadores para ver esta procissão negra.”
Aldeia Galega era o nome antigo do Montijo. Agora pergunta-se: caberia na cabeça de alguém no século XVIII, fazer um aeroporto, no meio do deserto, das estevas e matagais, da areia e dos xistos, onde o único acontecimento era uma procissão de negros, mesmo que com alguns mirones, os turistas de então?

Jamais!!!

As declarações de Mário Lino têm um interesse relativo e hão-de passar de moda, mas o livro de Heinrich Link vale mesmo a pena ler. O título é Notas de uma viagem a Portugal através de França e Espanha e foi publicado pela Biblioteca Nacional em 2005.

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